sábado, março 26, 2011

O Censos ignora a deficiência !

Já muito se falou do Censos 2011, mas agora que acabei de preencher todos os formulários e ainda o da minha mãe e o do Mário, encontrei mais uma questão pertinente : Não há deficientes em Portugal? O Censos nem quer saber se há deficientes em Portugal?

Isto só vem provar o desprezo que nos últimos anos tem sido dada à deficiência neste País e o fechar de olhos ao esforço que a grande maioria das familias que vive com esta realidade diáriamente tem de fazer para ultrapassar cada dificuldade; não só as que são estabelecidas pela natureza, mas sobretudo aquelas que a sociedade vai criando e as que a governação financeira impõe!

É uma esperança vermos a Bibá Pitá com a sua filha, portadora de trissomia 21, numa felicidade imensa, rodeada de irmãos e sempre nuns sitios aprazivéis. Fico feliz que assim seja e a Bibá, bem como toda a sua familia tem um mérito enorme pela forma positiva com que encara a vida e as suas adversidades. Mas sejamos francos! O facto da familia não ter problemas ( refiro-me a efectivas dificuldades ) financeiros é uma grande ajuda e por isso choca-me que o exemplo da Bibá e da sua filha sejam sempre apresentados, de forma a aligeirar as dificuldades reais e brutais com que a grande maioria dos portugueses, que tem familiares deficientes, vive!

Todos os meus amigos e conhecidos sabem que tenho um filho com 20 anos que é deficiente psico-motor. O que talvez alguns não saibam é que a sua incapacidade é de 80%. O que talvez alguns não saibam é que aos 6 meses, depois da triplex ( vacina que entretanto passou a ser administrada de outra forma ) ele perdeu o equilibrio e ficou ausente para lá de dois meses e que o prognóstico de alguns entendidos do desenvolvimento era que o Mário nunca iria falar, nem andar! O que talvez alguns não saibam é que estes 20 anos foram uma verdadeira batalha do Mário, minha e daqueles com quem tivemos a sorte de nos cruzar e que estiveram ao nosso lado, a lutar connosco ( refiro-me a familiares, professores , terapeutas, médicos e amigos ). Aos 6 anos o Mário começou a dar os primeiros passos. Hoje o Mário anda, corre, salta e fala, tudo à maneira dele, contrariando diáriamente os movimentos involuntários que teimam em não o deixar sossegado. Agora, aos 20 anos, o Mário conhece as letras todas e conhece os números, mas não lê (mas identifica algumas palavras ), nem escreve. Já não está na escola porque como não fez um acompanhamento escolar com equivalências, a partir dos 18 anos deixou de ter direito ao ensino, mas teve a felicidade de na altura certa abrirem vagas na Cerci de Chelas, ter feito entrevista e ter ocupado o lugar vago. Há dois anos que frequenta esta instituição, onde tem exercido várias actividades,para além das desportivas que mantém. Perguntam-me se era o que eu queria para o meu filho? A bem da verdade, não. Eu queria mais, muito mais e queria que, por exemplo, ele estivesse a frequentar a Cerci com a possibilidade de continuar a ter algumas horas semanais de estudo, insistindo na leitura, que é algo que eu sinto que está ao alcance de um simples clic. Queria, por exemplo, que ele estivesse na Quinta Essência. Ou melhor, queria não ter que me preocupar com dinheiro e poder fazer por ele tudo o que fosse importante para melhorar a sua qualidade de vida e para que ele pudesse ser ainda mais feliz :)

Eu não posso deixar de trabalhar e não posso dar-me ao luxo de sequer estar doente e apesar de ainda hoje os encargos mensais serem superiores ao que me vai sendo permitido auferir, eu ainda posso dizer que tenho uma boa vida com o meu filho! Mas sai-me do pêlo e o Estado nem quer saber, mas eu cá me vou orientando... o problema maior reside em familias com casos irreversíveis e de dependência extrema. É desumana a falta de apoios dados a estas familias e estes casos nem são considerados no Censos !

Pois não são considerados, não. Portugal não tem deficientes e se os tem isso não interfere na vida das familias e da sociedade. É mais importante saber se o alojamento tem água canalizada!

Neste Censos 2011 não há sequer uma alínea sobre se o inquirido é deficiente e qual a natureza e grau da mesma ! Eu preenchi o formulário do Mário e em todas as questões que não se adaptavam ao seu caso , apenas por ser deficiente ( não me refiro ao tipo de deficiência) , deixei muita informação EXTRA. E não me digam que não aceitam o formulário assim !

Já que Portugal é um desgoverno, ao menos que o seu sentido de Humanidade não seja também esquecido !

Cumpri o meu dever para com o Estado. Aliás, cumpro todos os meus deveres para com o Estado. Quando é que o Estado começa a cumprir comigo ?

2 comentários:

Margarida disse...

Não tenho palavras... as tuas têm a força de qualquer outra palavra que eu possa aqui deixar.
Mas fica a minha solidariedade e principalmente a minha admiração pela tua coragem e pela forma positiva como vives a vida e como a passas ao teu filho.
Beijinhos

T. disse...

Sim Ana, Grata pelo teu exemplo de coragem que transborda em cada palavra! Se me permites irei citar o teu texto que por razões sem razão me veio ter hoje às mãos. Precisamos de conhecer mais mulheres como tu. A ver se o país pula e avança. Bjinhos
T.