quinta-feira, julho 03, 2008

Luanda

Não morro de amores por Luanda porque tenho muita dificuldade em integrar-me no sistema instaurado e não consigo pactuar com tanta miséria ao lado de tanta riqueza, de gente nova rica que só pensa mesmo em ter mais e mais dinheiro , ter grandes casas , grandes carros ... e ainda aqueles que gostam de mostrar o seu poder e dispor de tantas mulheres quanto puderem. E no fim da pirâmide ,os milhares que ficam à espera dos dólares para permitir que isto ou aquilo possa acontecer.

Só estive duas vezes na cidade. Em 1997 , quando ainda havia guerra e não era possível andar de carro sem um segurança de kalashnikov ao lado. Nessa altura, estive quase uma semana em Luanda e pude conhecer um pouco a cidade e os seus arredores ( Benfica , Gamek , km 19 , Mussulo , etc ). A decadência de tudo era incrível , pois na época o que se estragava não tinha reparação possível e , então, qualquer vidro que se partisse , partido ficava. As caixas de elevador dos prédios que avariavam , passavam a servir de caixote de lixo e depois de bem atulhadas até ao cimo , eram acimentadas. As ruas , essas , eram quase todas em terra batida e com esgosto a céu aberto. O cheiro era nauseabundo. Os musseks ( bairros clandestinos , bem piores que as favelas brasileiras ) imensos, facilmente destruídos pelas torrenciais chuvas tropicais . Os mutilados de guerra um pouco por todos os cantos ,muitos. As mulheres faziam “amor” para comprar saia de napa, enquanto o director do aeroporto comprava duas máquinas de tirar gelo da pista ( é que em Angola neva , como sabem ). Respirava-se miséria , ganância e a morte sempre ali ao lado.

Estive sempre muito protegida de todos os possíveis males , mas os olhos viam , o nariz cheirava e sentia ... valeu-me a companhia do Luís , pois sem ele não sei se teria conseguido ficar ali tanto tempo . Tinha saído de Lisboa toda contente porque ia conhecer África , aquele continente mágico de que tanto fala quem lá viveu noutros tempos . E ia convencida que ia poder visitar a selva ( vi muitos filmes em pequena ) , mas não. Sair de Luanda só em coluna ( um grupo de vários carros com seguranças armados ) e mesmo assim quantos iam e não voltavam...

Valeram os dias que consegui ir ao Mussulo , mas mais além não foi possível ir.

Sentia-se já a vontade de recuperar a linda Luanda de outros tempos , mas os estudos feitos por várias empresas já instaladas na época , não eram muito optimistas e a solução de que se falava era construir uma nova Luanda ( que parece já existir , mas não tive oportunidade de visitar ) para depois recuperar a velha Luanda.

Passaram 11 anos e tive de voltar à capital de Angola, sem grande vontade , confesso. Desta vez, fiquei instalada num dos melhores hotéis da cidade e tive sempre à disposição um carro com motorista , mas para além disto não tive mais nada , mas já foi muito bom. Mas não para mim. Entristece-me que haja tanta gente com poder e tão bem na vida , mas sem qualquer formação. Eu não fui visitar amigos , nem ter com família , fui trabalhar , mas espero que ao sair do meu País , do meu continente , haja da parte de quem recebe aquela atenção de nos fazer sentir em casa ( é que foi assim que os meus pais me ensinaram ), ainda para mais quando nos deslocamos para um país tão diferente do nosso a todos os níveis , sobretudo culturalmente.

A antiga Paris de África , onde outrora viviam cerca de 400 mil habitantes , alberga agora para cima de 12 milhões de habitantes ( falo da região , a cidade própriamente dita tem muitos milhões , mas não tantos ). E espantou-me a loucura de trânsito e a quantidade de carros de gama altissíma , importados dos Estados Unidos , sobretudo jeeps , quando ainda não existe sequer uma rede de transportes públicos. Táxis, como temos cá na nossa terra, não existem e os autocarros são minibus sempre atafulhados de gente. O centro da cidade está em verdadeira transformação e existem obras por todo o lado, o que é um sinal de que algo está a mudar. Fazem-se arranhas céus como os de Manhattan,como por exemplo o novo edificio da Sonangol , mesmo ao lado do antigo edifício dos correios que também está a ser recuperado. Aquelas casas de traça portuguesa colonial , desculpe-me quem não concordar , mas eu acho lindas , estão também a ser remodeladas. E existem uma série de condomínios de luxo para inaugurar em breve. Tudo isto é lindo se não pensarmos que mesmo ao lado existem também casas verdadeiramente decadentes onde sobrevivem famílias numerosas , ruas semi alcatroadas , semi esburacadas com esgoto a céu aberto , enfim... um real molho de bróculos ! E ainda existem os aterros que estão a ser feitos à frente da velha baía de Luanda , onde , ao que parece, vai ser construída a nova baía cheia de torres espelhadas , tipo Hong Kong. E quem ganha são as construtoras , muitas delas portuguesas , mas a concorrência é brava !

Percorrer uma distância idêntica à do Marquês de Pombal – Terreiro do Paço , ida e volta , demorou de carro 3 horas ! É claro que mais valia ter ido a pé , mas não é assim tão seguro andar a pé na cidade , não só pelos eventuais roubos , como pelo facto das ruas estarem intransitáveis. Os homens do alcatrão são todos chineses e são aos magotes –é só vê-los a passar em brutos camiões com inscrições em chinês.

E fiquei-me ali pelo centro ( desta vez não deu para Mussulos,nem afins ) e acabei por dar umas voltinhas a pé e até sózinha . Á primeira vista é tudo de facto um caos , mas depois há todo um encanto daquelas gentes bonitas . Pessoas que fazem da tripa coração para sobreviver ,mas cujos os olhos sorriem e este é o encanto que é preciso descobrir.

A sociedade continua a ser muito machista , mas na verdade são as mulheres o grande pilar das famílias. É que o homem trabalha todo o dia , mas gasta o dinheiro ao fim da tarde na tasca com os amigos ou noutros sítios com as amigas. E são as mulheres que trabalham para ganhar o pão para a mesa e são as mulheres que cuidam dos filhos , da família e quantas vezes têm que vender o seu corpo sem que os maridos o saibam ...

E , desta vez , descobri o lado bonito destas gentes ,observando-as , sentindo-as.

Aqueles que não são novos ricos , mas que não são pobres ou seja , os poucos que conseguem viver do seu trabalho , de forma honesta e com dignidade, são pessoas muito especiais. São muito bem educados ( à antiga ) e atenciosos. Achei , por exemplo, curioso, que num restaurante de bairro na Praça do Kunaxixi não tenham servido gambas por estas não estarem em condições.
Uma manhã descontraída foi a que passei no cabeleireiro do hotel a cortar o cabelo e a arranjar as unhas ( o que nunca faço, mas acho que vou passar a fazer ) , à conversa com as moças que ao mesmo tempo cortavam o cabelo a dois senhores ingleses, a quem eu ia traduzindo os seus piropos .

Também percebi o quão bonita foi Luanda em tempos e o potencial que tem para voltar a ser uma grande cidade. Á noite , da ilha , do Cais de Quatro ( um género de bar/restaurante das docas ) , a vista sobre Luanda é magnifica e é-o porque o potencial está todo lá.

Não sei é como se vai dar a volta a tantos milhões de pessoas que vivem na mais ínfima pobreza . Até as águas que eu deixei em palco para os músicos foram roubadas ( já para não falar do whisky do camarim. O que vale é que tive o bom senso de não deixar mais nada ao Deus dará ) ! É que água para a grande maioria vale bem mais que qualquer diamante, o que não é de admirar , visto que a água da torneira não é mesmo nada aconselhável e que uma garrafa de litro e meio de água custa para cima de 5,00€ ( tive que ir ao supermercado comprar meia dúzia de bebidas e alguns comes para o camarim e alucinei com os preços – paguei 300 USD por quase nada ! ).

Acredito que um dia vou gostar de Luanda. É uma questão de saber descobri-la e às suas gentes. É aprender e apreender outra cultura. Nunca ignorar o que se passa à volta , pois isso não é gostar , é esmagar.

Luanda pode ser uma cidade caótica , mas ao menos é uma cidade onde as gentes ainda se sentem.

Consegui senti-la assim...













Nota : Não foi nada fácil fotografar . Primeiro porque há zonas onde não é permitido e segundo porque há muito boa gente que não gosta de ver uma camara apontada para si ou porque isso é mais uma forma de sacar uns dólares.

Update 6 Julho : As informações sobre o número de habitantes de Luanda cidade e Luanda província são todas elas muito díspares. Quanto ao projecto para a baía parece que o mesmo tem sofrido várias alterações , podendo passar por um autódromo , que é mesmo o que a cidade está a precisar...

2 comentários:

Helena disse...

maravilhosas fotos, ana

beijo

Keratina disse...

E podia ser uma potencia mundial! As prioridades dão sempre cabo de tudo!

Beijoka