segunda-feira, dezembro 04, 2006

"O inevitável adeus do caminho"

Todos os anos por esta altura , as agências de representação de Artistas são invadidas com pedidos de espectáculos de beneficência ( embora a tendência comece a ser ao longo de todo o ano ). Até aqui tudo bem , mas o senão surge sempre que esses pedidos são feitos sem qualquer critério de qualidade ou , simplesmente , sem qualquer lógica. De uma forma geral as entidades que pretendem promover concertos nesta época pouco se importam se o Artista vai em playback ou ao vivo com banda , se se enquadra no âmbito da festa , enfim... o que interessa é ter lá alguém para animar a malta . Pois este espirito nos dias de hoje já não faz qualquer sentido e fazer um espectáculo num hospital ou numa prisão não tem que ser sinónimo de festival da canção ou coisa que o valha. O público não é gente desgraçadinha que tem de ser animada . São seres humanos que precisam de sentir , de se sentirem.

Em Dezembro de 94 fui contactada para que o Jorge Palma fosse tocar ao Estabelecimento Prisional de Lisboa , convite que foi imediatamente aceite na condição de podermos apresentar o seu espectáculo a solo no auditório , sem um desfilar de Artistas em playback. O desafio foi aceite pelo educador de então e ficaram programados dois concertos de Jorge Palma “Só” na tarde de dia 20 de Dezembro , o primeiro para os presos mais perigosos e o segundo para os menos perigosos.




Levámos o material de som e luz do Malagueira , escolhido pelo Filipe Leite e pelo Rocha , tudo como deve ser. Até tinhamos camarim , por baixo do palco , com bebidas alcóolicas e tudo ( essa foi a parte mais complicada que deu direito a que um dos presos que nos estava a dar apoio fosse dormir para a cela errada).
Muitas coisas me marcaram nessa tarde , mas uma em especial : a conduta dos presos mais perigosos ao assistirem ao concerto do Jorge a solo , ora ao piano , ora à guitarra.
O auditório com telhado de zinco e bancadas até cima , estava cheio de homens que durante pouco mais de uma hora se entregaram à música e às letras do Jorge. A sua atenção reflectia-se no silêncio , apenas interrompido por palmas no final de cada canção. E nessas alturas alguém da assistência ia pedindo “Mifá” . Confesso que cheguei a ter dúvidas se era isso que ele dizia ( “Mifá” não é uma das músicas do Palma mais conhecidas , mas uma das mais especiais , sem dúvida ) , mas no final do concerto o Jorge perguntou : Quem está a pedir “Mifá” ? O homem identificou-se e o Jorge cantou a referida canção. Fez-se um silêncio ainda maior e no rosto daqueles homens “perigosos” sentia-se a amargura de uma vida errante , perante um olhar estampado de emoção há muito guardada pelo "inevitável adeus do caminho".

Mifá
É de um comboio que eu te escrevo,
Mifá
São os teus olhos que eu levo,
Mifá
Dentro dos meus
Vê lá tu
Mifá
O amor nem sempre é brincadeira,
Mifá
Quer a gente queira ou não queira,
Mifá
As coisas são mesmo assim
E toda esta conversa
É só por tu teres vindo comigo
Por termos conseguido chegar juntos ao ninho
Por esses momentos em que eu
Não fui sózinho
Mas depois foi a bagagem
E o inevitável adeus do caminho,
Mifá
Tem cuidado contigo
Mifá
Não vou soluçar por ti,
Mifá
Mas tenho um espaço vazio aqui,
Mifá
No meu coração
Vê lá tu
Mifá
Solamente una vez
Dói se pensarmos que
Isto é o fim
Mas resta sempre
Alguma coisa
E toda esta conversa
É só por tu teres vindo comigo
Por termos conseguido chegar juntos ao ninho
Por esses momentos em que eu
Não fui sózinho
Mas depois foi a bagagem
E o inevitável adeus do caminho,
Mifá
Tem cuidado contigo

3 comentários:

Anónimo disse...

Agenda artística do cantautor Jorge Palma actualizada em www.bloguepalmaniaco.blogspot.com
newsletter/informações: contactar ladoerradodanoite@hotmail.com

Nekas disse...

O Palma tem esse poder inigualável: (des)escrever como ninguém um lado errante da vida, tão viciante e fantástico (na fantasia ingénua de um meio caminho, perdido).

Lembro-me de teres contado esta história na Galiza. Há dias, enquanto ouvia o MIFÁ no Casino, também se sentiu um silêncio fascinante. Desconhecimento ou fascínio, a mim pouco me importa, cantei (desafinada) o sentido da MIFA.

Um abraço!

Anónimo disse...

este tema é LINDO... e felizmente consta do novo alinhamento do Palma nos ultimos concertos...no ultimo ano pedi o tema por diversas vezes nos concertos, e nada...
:-(