segunda-feira, outubro 29, 2007

Uma história real

Esta é escrita pelo querido Maestro Pedro Osório , com quem pude partilhar momentos muito especiais e enriquecedores para a minha vida profissional e pessoal.
É passada no edificio da Bolsa , no Porto. O concerto era no Páteo das Nações , o que nos deu uma trabalheira , devido às condicionantes técnicas e logisticas.


O concerto esquecido
«As Canções do Século» foi uma das minhas produções de maior sucesso. Era um espectáculo que não facilitava, exigente, sempre realizado com grande profissionalismo. Durante seis anos, juntamente com a Rita Guerra, a Helena Vieira, a Lena d’Água, seis músicos e a incansável equipa de produção da Ana Moitinho, percorri um país caloroso, interessado, atento, respeitador, gentil, que honra os compromissos. Muitas vezes me interroguei sobre qual seria o Portugal real, se este que nós encontrávamos, se o outro que todos nós criticamos por ser desarrumado, irresponsável, falho de civismo, amador. Creio que somos um povo que, quando é bem tratado e se entusiasma, é capaz do melhor mas, se é maltratado, não consegue manter o sangue frio, perde a cabeça, dispara para onde calha e depois tem imensa dificuldade em reencontrar o caminho do equilíbrio.
De todas as actuações que, como já deixei adivinhar, correram maioritariamente segundo os planos ajustados ao pormenor entre a equipa de produção e as entidades contratantes, uma houve que, não só por ter sido uma excepção a esta regra como por tê-lo sido de uma forma um tanto bizarra, sempre é relembrada pela equipa quando nos encontramos, de tempos a tempos, para confraternizar e afagar a saudade. Realizou-se no Porto, no belíssimo Palácio da Bolsa, e integrava uma festa, com numerosos convidados estrangeiros, em que eram empossados novos membros da prestigiada Confraria do Vinho do Porto.
Havia um jantar no segundo andar e o concerto teria o seu início, num salão/hall do primeiro, pelas onze, onze e pico. Às onze menos um quarto estávamos todos na sala de espera, aquecimento feito, prontos para cumprir o horário. Cerca das onze e vinte vimos descer um casal, passar pela sala do concerto e sair. Pouco depois seguiram-se mais dois casais. Recomeçámos o aquecimento e, cerca da meia-noite, um técnico de som veio informar-nos de que continuavam a sair convivas. A Ana Moitinho achou que, apesar de já ter recebido o cachet, deveria perguntar ao organizador o que é que se passava. Subiu ao salão árabe e voltou pouco depois dizendo que não o tinha conseguido encontrar e, estando a decorrer um discurso, achara por bem não interromper. Alguma coisa se teria atrasado pelo que nos restava aguardar com paciência.
Cerca da meia-noite e meia, e com a informação de que continuava a sair gente, achámos que era demais: havia que exigir uma explicação. A Ana voltou ao andar de cima e regressou pouco depois com um semblante meio de aflição meio de riso. Finalmente chegara à fala com o organizador que, perturbadíssimo, lhe confessou ter-se esquecido de informar os convidados que havia um concerto após o jantar. Pior ainda, dos perto de quatrocentos convidados não restavam mais de quarenta. No entanto mantinha-se o espectáculo que começaria dentro de um quarto de hora.
Pedimos à Ana que fosse propor ao atabalhoado organizador uma versão mais curta do concerto, que na configuração prevista teria cerca de uma hora e vinte minutos. Voltou pouco depois com a resposta do homem que, de ânimo entretanto recuperado, se armava agora em empresário duro: tinha pago o espectáculo total por isso queria o espectáculo total.
À uma hora da manhã começámos o concerto perante trinta e poucos espectadores bem comidos, melhor bebidos e ensonados. Quando terminámos, perto das duas e meia, dificilmente contínhamos o riso perante uma plateia que a custo mantinha os olhos abertos e, nalguns casos, somente acordava para bater as palmas nas mudanças de cena.

2 comentários:

Zé Miguel Gomes disse...

Já pensaste em escrever um livro com todas estas histórias?

Mónica Lice disse...

Parabéns pelo blog! Não conhecia mas prometo voltar! ;-)

Beijinhos de bom feriado.