segunda-feira, fevereiro 26, 2007
Zeca Afonso
Era eu miúda e o disco do Zeca que se ouvia lá por casa era o “Cantares do Andarilho” ( 1968 ) , cuja capa da 1ª edição era uma fotografia dele ( trabalhada ).
Músicas que a minha mãe cantava e que eu lá ia cantarolando. Músicas que ainda recordo e ainda canto. Era um disco baseado essencialmente no cancioneiro tradicional.
“Canção de embalar”
Dorme meu menino a estrela dàlva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será pra ti
Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar
Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor
Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme quinda à noite é muito menina
Deixa-a vir também adormecer
Uns anos mais tarde , num verão dos anos 70, lembro-me de ter comprado com os meus pais o disco “Cantigas do Maio” ( que tinha sido editado em Dezembro de 1971 ) numa loja de discos e livros que havia em Torres Vedras, na mesma rua onde era o restaurante Barrete Preto onde almoçávamos com frequência. E este foi um disco do Zeca que me marcou definitivamente e que acabou por marcar todos nós, pois dele consta o tema “Grândola Vila Morena “.
E os dias que se seguiram ao 25 de Abril de 1974 foram marcantes para mim , pois na televisão eram mostradas imagens da libertação de presos politicos e feitas reportagens sobre as torturas a que estiveram sujeitos enquanto presos da PIDE. E muitas outras histórias vieram ao conhecimento público , algumas delas pela voz do Zeca , como esta :
“Cantar Alentejano”
Chamava-se Catarina
O Alentejo a viu nascer
Serranas viram-na em vida
Baleizão a viu morrer
Ceifeiras na manhã fria
Flores na campa lhe vão pôr
Ficou vermelha a campina
Do sangue que então brotou
Acalma o furor campina
Que o teu pranto não findou
Quem viu morrer Catarina
Não perdoa a quem matou
Aquela pomba tão branca
Todos a querem p'ra si
Ó Alentejo queimado
Ninguém se lembra de ti
Aquela andorinha negra
Bate as asas p'ra voar
Ó Alentejo esquecido
Inda um dia hás-de cantar
E ainda esta , que tão bem ilustra o regime de Salazar :
“Vampiros “
"No céu cinzento / Sob o astro mudo / Batendo as asas / Pela noite calada / Vêm em bandos / Com pés de veludo / Chupar o sangue / Fresco da manada
Se alguém se engana / Com seu ar sisudo / E lhes franqueia / As portas à chegada / Eles comem tudo / Eles comem tudo / Eles comem tudo / E não deixam nada
São os mordomos / Do universo todo / Senhores à força / Mandadores sem lei / Enchem as tulhas / Bebem vinho novo / Dançam a ronda / No pinhal do rei
Eles comem tudo / Eles comem tudo / Eles comem tudo / E não deixam nada"
E assim fui seguindo a carreira do Zeca , a par com a de outros cantautores da época . Mas o Zeca era sem dúvida especial , pois era mais aberto a outras sonoridades e tinha aquela forma de (en)cantar. Cheguei a conhecê-lo na Fuzeta onde costumava passar férias e para onde ainda fui acampar umas quantas vezes na minha altura mais “freak” , com os meus amigos da Música Popular Portuguesa.
E no concerto do Coliseu dos Recreios, em 1983,lá estava eu a ouvir o Zeca que, apesar de já estar muito debilitado pela doença, teve a força e a coragem de subir àquele palco, rodeado de amigos, para uma noite que não vou esquecer nunca e que sei que ele também não esquecerá por muitos 20 anos que passem.
A 23 de Fevereiro de 1987 acabou-se o seu sofrimento , mas o Zeca estará sempre presente.
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2 comentários:
Que homenagem tão bonita :)
Brilhante.
:))))
bem bonito, Ana...
nos ultimos dias a música do Zeca esteve mais presente ainda lá por casa... tive pena de perder o concerto que passou na madrugada de 23, na RTP1, mas o cansaço foi mais forte que a minha muita vontade de ver o concerto. Felizmente uma amiga gravou... :-))
e por muitos anos que passem a música do Zeca continuará a fazer parte da minha vida... desde miuda que me lembro de ouvir os temas do Zeca...
PS. vê o mail..
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