No sábado, por causa de uma conversa ao jantar sobre percevejos , sobre a qual não me vou perder , descobri que o Rui Rei e eu , apesar dos 10 anos que nos distanciam , passámos parte da nossa infância num lugar comum , sendo os nossos familiares vizinhos e visitas de casa.
Esse lugar comum fica ali para os lados dos Arcos de Valdevez.
A casa da Saramaga era da minha avó Adelaide e a de Calvos da sua amiga Inês.
Todos os verões percorríamos um árduo caminho desde Lisboa , que durava todo o santo dia para lá chegarmos e a estada nunca seria por menos de 15 dias.
A casa da minha avó era um solar de pedra , tipicamente minhoto. Recordo-me dos quartos amplos , do salão onde à noite jogávamos às cartas ( mas tínhamos sempre de deixar a avó Adelaide ganhar , pois ela tinha mau perder), da casa de banho cujo chuveiro era um regador onde colocávamos água aquecida , da cozinha com escadaria directa para a quinta e dos móveis, das loiças e do cheiro...
A entrada para a quinta era um portão também em pedra , com o brasão da familia do segundo marido da minha avó ( o primeiro e terceiro marido foi o meu avô Carlos Eugénio ), com um caminho cheio de hortênsias até à casa. Junto a esta havia uma casota grande , onde outrora vivera um cão que nunca cheguei a conhecer. Era nessa casa que eu e a minha sobrinha Teresa gostávamos de brincar . Um certo dia , resolvemos colher todas as hortênsias e decorar aquele espaço com elas – levámos um raspanete inesquecível da avó Adelaide , é claro.
A quinta era linda , com muitas árvores de fruta , vinhas e uma eira imensa.
Ainda recordo as desfolhadas , nas quais cheguei a participar , com toda a gente sentada no chão a formar uma roda , vestida com os trajes tipicos minhotos ( dos quais ainda guardo duas belas bolsas ) e sempre que saía uma espiga vermelha , era preciso andar à volta da roda e dar um beijo a quem se indicasse ( era uma boa forma de promover romances ).
Na altura das vindimas , lá vinha aquela gente trajada com os cestos cheios de uvas , que deixavam no lagar lá de casa e onde a minha mãe fazia questão de as pisar , para dái se fazer o belo vinho verde da Saramaga. Por brincadeira , também pisava as uvas , mas confesso que nunca achei muita piada à sensação e ao cheiro e talvez por isso , até hoje não consigo apreciar vinho.
Havia um poço de água , onde esta era tirada por uma nora de manivela que eu adorava manejar , mas de tão pequena que era , de vez em quando rodava junto com a manivela !
Não sei quem seria , mas havia uma velhota que rondava muito a quinta e o meu pai fez-me acreditar que seria uma bruxa , por isso, sempre que a avistava , corria para casa , fechava-me no quarto a sete chaves e com as janelas de guilhotina bem trancadas.
Os convidados lá de casa eram sempre muitos . Primeiro porque a familia só por si já era numerosa e depois chegavam visitas de todos nós.
Um bom descanso, fazia-se nuns cadeirões de madeira que a avó guardava e que nunca mais voltei a encontrar nenhuns iguais.
As idas aos Arcos eram uma alegria para mim , pois vinha sempre cheia daqueles rebuçados fantásticos e de uma pasta de dentes que comprava na farmácia junto à igreja , com sabor a banana ou morango e que eu usava não só para lavar os dentes , mas também para comer .
Os dias de feira eram outra festa e eu gostava sempre daquilo que era mais piroso ( o meu pai tinha muita paciência ).
Mas bom bom , eram os picnics à tarde , sempre com croquetes e um arroz de ervilhas que não vou esquecer nunca.
Hoje fui rebuscar esta fotografia , de uma dessas tardes no verão de 1970 , onde consigo identificar :
Em baixo : A Custódia , nossa empregada , bem bonita que ela era.
Á direita , com vestido às bolas e chapéu : A avó Adelaide ( que saudades ).
Atrás da minha avó : A sua amiga Inês de Calvos , irmã do Pedro Araújo , tio por afinidade do Rui Rei.
Ao lado desta , toda modernaça : A minha mãe :)
As outras senhoras são irmãs da minha cunhada Nini , casada com o meu irmão mais velho José Carlos e as pequenas , penso que são todas filhas delas , salvo eu , que estou com um chapéu a olhar para o chão , pois nessa altura era muito tímida e não gostava de tirar fotografias.
Os homens não me lembro quem são , precisaria da ajuda do meu pai...
A Casa da Saramaga foi vendida dois ou três anos mais tarde, mas as memórias do que ali vivi tão pequena nunca se apagaram.
Um pouco de mim continua por lá.
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1 comentário:
Ana, se ainda dá movimento ao blogue, gostava de lhe dizer que esse marido de Távora onde fica a casa da Saramaga, era o Dr. Abel da Cunha Brandão, meu tio avô. Ele era irmão da minha avó. A sua avó Adelaide, era muito amiga da minha mãe Piedade. Eu também por lá andei em pequena, mas pouco me lembro. Ando a fazer a árvore da minha familia e foi assim que a descobri. Gostava de falar mais consigo. Gostava de ver fotos antigas desses tempos. Um beijinho
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