quarta-feira, março 29, 2006

O que não era para ser escrito

Perder tudo na vida e aceitar que apenas se está vivo , à espera que os dias passem , sempre iguais entre pouco mais que quatro paredes. À espera que o futuro seja decidido por este e aquele juiz , de sentenças que até podem significar liberdade , mas o que é a liberdade sem reabilitação ? O que é a liberdade para quem nada tem ? O que é a liberdade para quem volta para a rua , tendo que sobreviver do que a rua tem para dar ? O que é a liberdade quando até a alma já se apagou ?
Gente perdida , gente para quem a dependência foi uma besta e deu cabo do desejo ( grande Mafalda e grande Palma ) . Gente que , a dado momento , foi-nos tão próxima . Gente por quem não podemos dar mais , mas também não podemos tirar mais.
Mas hoje , senti que tirei o pouco que ainda restava de alguém. Hoje , ao tratar da regulação de poder paternal do meu filho ( o que já devia ter feito há 11 anos por questões práticas da vida ) , doeu-me. Doeu-me muito. O acordo foi combinado préviamente e aceite por ambas as partes , mas concretizá-lo , torná-lo real , fez-me sentir que arranquei do Carlos o pouco que restava dele. Isto é parvo , porque o Mário há-de ser sempre seu filho , mas a legalidade da coisa é constrangedora , ainda para mais para quem chega e sai do tribunal algemado ( só na sala de audiências foi tratado como um cidadão comum ) , como se de um criminoso se tratasse.
Tenho pena , muita pena , do caminho que o Carlos escolheu. A vida sorria-lhe. Era uma pessoa boa , de um coração enorme , cheia de paixão e de um profissionalismo irrepreensível. Foi por este homem que me apaixonei , mas foi com outro homem que passei os anos mais negros da minha vida . Foi esse outro homem que tive de abandonar para seguir com a minha vida e a do meu filho em frente.
Foi sem dúvida a única decisão possível , já depois de inúmeras tentativas em ajudá-lo na sua recuperação. No entanto , até hoje , não consigo ignorar que um dia nos apaixonámos , tivémos um filho porque o desejámos e que fomos felizes. Também não posso esquecer o inferno que vivi ( e esse só eu sei ). Também não consigo deixar de sentir uma tristeza enorme por me sentir incapaz de dar mais. Mas não viro costas , ainda sinto e enquanto sentir sei que vou ser das poucas pessoas que ainda terá um abraço para lhe dar ( mesmo que não tenha mais nada para dar ).
Hoje , senti que tirei , mas tirei para dar ao Mário. Quero apenas que o meu filho seja feliz e já que é comigo que ele pode contar , esta questão legal tinha que ser finalmente resolvida.
Doeu , ponto final.

( não me estava a apetecer escrever sobre o assunto , pois ele ainda está a moer cá dentro , mas já que estes momentos fazem parte da vida , então aqui fica este mau ).

5 comentários:

janica disse...

Psst...já falámos sobre isto. Um beijo enorme. Gosto muito de ti! :)*

sayonara boy disse...

a gratidão é a memoria do coração. 1 abraço grande Ana.

P disse...

Um abraço fechado.
E um beijinho.

Unknown disse...

Gosto de ti!!! Muito muito muito!

ruxa disse...

Já tinha tentado deixar um beijinho mas o blogger tramou-me.
Ao ler-te apercebi-me porque é que ainda não tive coragem para tratar disso. Acho que é mesmo pela estúpida sensação de culpa com que ficamos de uma coisa da qual não temos culpa nenhuma e com a qual só estamos a tentar proteger ainda mais os nossos meninos.
E o teu relato só vem confirmar o meu receio mas também me deu força para fazer "o que tem que ser feito".

Cheer up... o destino há-de saber devolver ao Carlos a luz ;)