quinta-feira, março 02, 2006

2 de Março ( de 1912 )

Este será sempre o teu dia , pai.
E todos os anos haverá sempre um dia 2 de Março , que só fará sentido contigo.

Por tanto gostares da Arrábida , é naquele mar , a namorar a serra , que repousas e te entendes com Deus .
Hoje , quero recordar, este poema que escreveste :


I

Cantou Agostinho da Cruz , o frei poeta ,
Esta montanha de brecha e matagal.
É unica do género em Portugal,
Bem digna de pincel , de tintas , de paleta.

Fica o Portinho junt’ao sopé da serra,
Banhado pelo mar , da cor de jade.
É o primeiro refúgio para quem há-de ,
Depois de vir do mar , pisar de novo a terra.

Que saborosas as caldeiradas
Aqui no areal ardente apreciadas !
Mas lá no alto , para os lados do convento

E da frondosa mata , velha , centenária,
A serra torna-se mística , solitária,
É já religioso o nosso sentimento.


II

Há sombra. O entardecer aqui é antes.
O sol já se ‘scondeu p’ra lá do alto cume.
O silêncio cai , toma corpo , tem volume : -
A serra vai dormir dentro dalguns instantes.

Em baixo vejo o mar , nostálgico , azulado,
Como ‘spelhando nele as nuvens e o céu.
Sonho. A tarde cai. O ar arrefeceu
E toda a vida aqui parece ter parado.

Arrábida serrana , Arrábida mística ,
Arrábida grandiosa , Arrábida turística ,
Eu quero olhar p’ra ti do mar até aos céus !

Como lugar de sonho és dos maiores da terra : -
Sobre o teu mar de jade tens a tua serra
E sobre a tua serra entendes-te com Deus !

Luiz Pedro in “Poemas que o vento há-de levar” - 1955

1 comentário:

tma disse...

Confesso que nunca tive a oportunidade de apreciar a veia poética do meu tio-avô, embora eu tivesse conhecimento da mesma, e cuja inspiração será, em parte (digo eu), fruto da convivência com o maior poeta português do século XX :-)
No caso concreto da Arrábida, paisagem que eu também aprecio (e que de vez em quando tenho a oportunidade de disfrutar), este poema, para além de evocar a data de aniversário do teu Pai, vem muito a propósito, pois os incêndios, as pedreiras, as cimenteiras e, possivelmente, a co-inceneração (que acima de tudo, significa a perpetuação da cimenteira enquanto verdadeiro crime paisagístico), que gradualmente vão destruindo a paisagem magnífica da Arrábida, tornam este poema ainda mais precioso (para além dos motivos óbvios), ao recordar a Arrábida na sua máxima pureza e esplendor (que nunca cheguei a conhecer...)